Uma tinha insônia criativa misturada
à frustração de ter perdido sua feira internacional. Outra acordava com o braço
dormente e não conseguiu segurar a chapinha com a qual ajeitava o cabelo antes
do trabalho. Sem crédito, outra manda mensagem para uma ligar de volta urgente,
isso às 5:32 da manhã.
Toca buscar a outra no
hospitaleco de Itupeva, onde os sintomas de um AVC são tratados com um hemograma
básico e um tchau do plantonista, que atendia enquanto comia e nem crachá
usava. Chegaram ao SUS de Jundiaí onde a amiga de uma conhece a mulher do
cardiologista de lá, fato corriqueiro no interior.
Já na internação veio a pergunta
estranha: Acidente de trabalho? Só se ela tivesse faxinando minha casa às 4 da
manhã, sorriu uma com escárnio. A enfermeira não gostou e mandou que as duas
esperassem. Acamparam então nas poltronas azuis e gastas por horas
intermináveis, reparando no estado da saúde pública do país.
Enquanto a outra ignorava as
consequências e possíveis sequelas de um AVC, uma se amaldiçoava por esquecer o
livro do famoso autor norueguês no carro. Foram logo distraídas pelo lamento de
um pai negro de olhos de um azul-claríssimo, procurando seu filho entre os
desconhecidos internados ontem.
A primeira meia hora foi mais
difícil para uma. Vendo a angústia dos rostos que desfilavam pela sala de
espera, desejou morrer antes de definhar ou enrrugar daquele jeito. Doentes com
Parkinson, catarata, artrose, sobrepeso e desalento encaravam curiosos sua
camiseta verde limão com proteção contra raios UV.
Depois de cada exame, diagnóstico,
novo exame e novos médicos, voltavam para a sala de espera, cheia de olhinhos
vidrados na TV que só mostrava reportagens de comida. Receitas de alcachofra,
dicas para ser saudável e os problemas da classe média obesa comentados por
quem estava em jejum desde muito cedo.
Demora? Costuma demorar bastante,
devolveu com um sorriso de escárnio a atendente do início. Uma olhava fixo para
as diversas bengalas dos velhinhos, encolhendo a mais firme e pontuda, lembrando
a cena clássica do filme “Um dia de fúria”. Mas logo desistia da ideia e suspirava
resignada, como todos ali.
A última meia hora foi mais
difícil para outra. Mais complicado que perder o lugar na fila da tomografia
para aqueles que entravam de maca, com a camisola ridícula e a sonda cheia de
xixi, foi ouvir a notícia de que teria que dormir lá nas próximas noites, sob
observação. Sim, e apenas com a camisolinha ridícula.
Uma foi embora depois de 12 horas
de plantão como acompanhante, compadecida de um pedreiro com quem trocou
empanadas na fila da segunda tomo. Outra dormiu agradecida por estar entre mais
leitos, paciente com os roncos e gemidos, porque tinha medo de dormir num
quarto de hospital sozinha.
Só uma passou a noite em claro,
encarando as horas, a realidade e o mundo todo parado enquanto seu braço
direito se recuperava.