19 de fev. de 2018

Sonho de uma Tarde de Carnaval



 
Já na concentração, encontraram um ruivo nanico, de saia escocesa com bermuda por baixo e disseram que ele estragou a fantasia delas. Ele valorizava demais seus genes e se recusou a beijar Amelie, alegando que tinha namorada. Não é não! Mas Rita usou a sua varinha rock n’ roll de apagar memória e o ruivo esqueceu fácil que era comprometido. Amelie borrou seu batom vermelho e ganhou uma herpes, mas saiu aliviada. Só faltavam 2 beijos para tirar a zica. O sol brilhava entre as nuvens e crianças com carinha de anjo soltavam bolhinhas de sabão sob os ombros de dezenas de pais barbudos com seus óculos espelhados. Ao lado deles, de mãos dadas quase sempre, parceiras hipsters-veganas exibiam muita pele bronzeada sob um make colorido de glitter biodegradável. Havia catadores de latinha a rodo que não deixavam acumular o lixo nas calçadas e os restaurantes permaneciam abertos, sem medo da muvuca.
 
Rita perdeu sua tiara de penas coloridas e aceitou uma cartola alta de um gatinho trôpego que miou algo ininteligível no seu ouvido três vezes. Sempre quis desfilar com cartola, mas não desconfiou de que aquela estava amaldiçoada. A partir desse momento, o céu nublou e mil ratinhos saíram dos bueiros (de banho tomado) para cantar as marchinhas. Parecia estranho mas ainda estava animado. Compraram batata chips oleosa de dez reais pra almoçar e descobriram que a mistura mel, catuaba, cerveja e chips podia ser um veneno pro fígado. Só uma pipoca doce de ontem pra desfazer o mal-estar e deixar a língua rosa. Não por muito tempo. Estavam tocando os instrumentos dos músicos quando perceberam os ratinhos roendo as cordas que agrupava o pessoal. Daí em diante, um vento do Largo da Batata invadiu tudo.
 
Fotógrafos caíram do carro de som, o motorista desgovernou e, um por um, cada folião começou a vomitar catuaba com cerveja e sabe-se lá mais o quê nas sarjetas. Os catadores resolveram debandar pra outro bloco grã-fino. Quem ficou na garoa que começava a engrossar (mas ainda refrescava), sentiu que enfeiava, suado e passado. Loiras de mechas californianas gritavam, tentando em vão proteger a chapinha. Os abelhinhas, ao se reconhecerem varizentos e flácidos, choravam. Fiscais do Dória sorriam com seus dentes amarelados multando os mijões e os vizinhos que antes aplaudiam o Carnaval, agora jogavam seus tomates das janelas. Veio então uma chuva grossa de verão que não escoava nos bueiros entupidos e as pessoas se estapeavam para ver quem entrava primeiro na ambulância, a única chance de sair rápido dali.
 
Amelie aproveitou que Rita estava na fila do banheiro da padaria que cobrava dois reais pelo xixi e negociou um selinho com uma drag queen de peruca ruiva, de maquiagem borrada e ensopada de chuva, rezando para aquilo contar como um segundo beijo. O dono da padaria colocou todos para fora, fechando as portas quando começaram a quebrar tudo para roubar os cigarros do caixa, num arrastão bêbado. Rita se mijou de medo. Do lado de fora, pessoas eram carregadas em meio à lama de chuva, mijo, lixo e vômito, numa massa de gente suvaquenta e meio zumbi que não andava, nem dava passagem. Alguém ligou um funk alto e o refrão doeu os ouvidos. “Chacoalha minha benga. Puta. Vadia e Prostituta”. A classe escorreu, de vez, bueiro abaixo. Era impossível não ser meio abusada ali no meio ou não sair machucado das brigas que pipocavam em todos os cantos. Houve quem aproveitou a confusão pra realizar o fetiche de transar com platéia. Hoje está tudo postado nas redes sociais com a hashtag #mefodinopasmado.
 
Ritaleena e Amelie Pulando nadaram um pouco  no chorume e depois correram o máximo que as bolhas nos pés permitiram até a Mercearia, largando a cartola numa das sarjetas da Vila e procurando um bom livro onde pudessem se esconder. Refeitas e quase secas, viram sua sorte voltar numa mesa onde um conhecido músico ruivo, autor de “Por onde andei”, bebia com os amigos.