24 de jan. de 2014

Virei Confeiteira! Texto 30 Verões de Distância.

Essa semana virei autora oficial da Confeitaria, um site incrível que eu já participava como convidada. Muito amor por esse time talentoso e pela editora mais fofa do planeta, Fabi Secches <3. Olhem só como ficou linda minha bio lá:

http://confeitariamag.com/author/janbitencourt/

Aqui está mais um texto que foi pra lá:



30 VERÕES DE DISTÂNCIA


Uma picada de pernilongo num dia em que faz 30 graus.
“Mãe, tá coçando, tá coçando, tá coçaaaaando!”
Juqueí não existe mais sem o H e o Y. Nem meu filtro solar da época, o Eversun FSP 4, passado com a mão pesada da minha mãe, sobre as costas já ardidas.
O verão de 84 tinha cheiro de suor doce, creme protetor e um álcool canforado que usávamos para aliviar a coceira. Eu não tinha mais do que meia dúzia de sardas, mas as canelas já eram grossas e viviam arranhadas: “Não coça com a unha, menina!”
Dava pra identificar o inseto de acordo com o aspecto da alergia. Geralmente, eram os borrachudos que picavam ardido, coçava muito e deixavam apenas um pontinho vermelho na pele, que era espremido com as pequenas unhas dos dedões para que saísse um caldinho de sangue e, depois, um caldinho do “veneno” do bicho. Essa operação complexa e terapêutica aliviava um pouco, quando não machucava mais e formava casquinhas que, por mais arrancadas que fossem, insistiam em se refazer até que parássemos de prestar atenção nelas. As minhas eram campeãs em se formar novamente e rápido.
“Sangue doce”, dizia minha mãe.
Haviam feridas raras, que formavam pequenas bolhas d’água, deliciosas de estourar, mas que ardiam muito e não coçavam tanto. Diziam que era de aranha, mas nossas teorias da conspiração também consideravam ser uma reação a formigas famintas, xixi de sapo ou lambida de barata.
Uma vez, consegui cruzar a trajetória de uma abelha e continuei correndo com o rosto em chamas. Passado o susto, sobrou um inchaço tão grande, que me perguntaram se era caxumba.
Nossa casa tinha muretas no lugar das paredes internas (falta de dinheiro ou tendência?). Nelas, a gente deitava para esfriar as costas, no limite entre tombar para algum dos lados. Uma vez, por falta de forro no telhado, um morcego caiu do teto no peito de uma tia sonolenta. Meu pai e meu tio mergulhavam para pegar lagostas e robalos até “estourarem os ouvidos”. E, de vez em quando, levavam as crianças (eu, meu irmão e minha prima) para pescar porquinho num barco de alumínio laranja, que tinha só dois metros de comprimento. Voltávamos com as coxas e costas vermelhas, em cima do descascado.
“Por que não botaram camisetas nas crianças?”
Tínhamos um Opala marrom e vínhamos atolando pela praia, porque a estrada ainda não chegava até lá. À noite, conseguíamos ouvir umas seis espécies de sapos e enxergar vagalumes. O único livro da casa era “O Menino do Dedo Verde” e, mesmo com umas vinte páginas faltando, ainda nos atraía, verão após verão. A TV pegava raramente à custa de uma antena antiga e bombril. O tempo passava lento, andávamos um quilômetro a pé no sol quente para chegar à praia e tínhamos um gato hiperativo chamado Pingo. Nossos amigos eram caiçaras, participávamos de gincanas para limpar a praia e comíamos lambe-lambe (arroz com mariscos) na casa de um amigo pescador do meu pai, que um dia arpoou um tubarão e fez uma peixada pra toda a cidade.
Insetos, peixes, aracnídeos, crustáceos e anfíbios que hoje soam estranhos para a molecada. Bichos que eles só vêem nos livros de ciências ou dentro de algum aquário de ecoresort nas férias, entre as aulas de axé da piscina e as atividades do Kids Club. O sol mudou muito nesse tempo também. Talvez só as picadas ainda cocem como antes.

* Imagem: Pia Bramley.

Outro motivo de comemoração é o Livro "Amor | Pequenas Histórias" que está saindo do forno e reúne 60 autores e ilustradores da Confeitaria (e do qual participo com um continho inédito). O lançamento está marcado para dia 14/02 e promete. No instagram já tem até pré-venda pros mais ansiosos. Link pro evento no face abaixo:

https://www.facebook.com/events/287148568105671/?ref_dashboard_filter=upcoming

10 de jan. de 2014

"O coração, se pudesse pensar, pararia." (F. Pessoa)

Meu 2014 começou feliz demais. Agora faço parte de um time incrível vinculado à Escola de Escrita Online de Portugal e ofereço meu Curso de Contos à distância. Saiba mais no link e compartilhe com quem você sabe que ama escrever :)))

http://escritacriativaonline.net/brasil/


Aproveito pra deixar aqui arquivada uma entrevista que dei em setembro sobre o livro e que anda inspirando mais publicitários a fugirem pra literatura, rs. Feliz 2014 pra nós todos!

http://tvuol.uol.com.br/assistir.htm?video=versao-beta--jan-bitencourt-0402CD183760E4B14326



20 de dez. de 2013

Impressões de uma escritora estreante na terra de Goethe.


(texto publicado também na Ornitorrinco http://www.ornitorrinco.net.br/2014/02/uma-escritora-na-terra-de-goethe.html)

Esse é um texto que não pretende chegar a lugar nenhum além de registrar um deslocamento geográfico. E se você, leitor, decidir seguir lendo, saiba também que tem um caráter metaliterário pois narra a história de uma autora que atravessa o oceano para lançar a versão alemã do seu primeiro romance. Na cidade de partida faz 35 graus e na de chegada, nenhum grau. Depois de um voo que atrasou 4 horas, pega mais 4 horas de ônibus para chegar ao interior de um país que não consegue falar mais do que 5 palavras na língua cheia de consoantes. Toma um goulash com cerveja e continua aceitando as cervejas que seu editor oferece dentro do ônibus que anda sobre a neve, troca impressões, piscando num cansaço que aumenta a cada gole da bebida. Chegam de madrugada e o frio corta cada centímetro da sua pele que não está dentro do sobretudo ou do cachecol ou da luva ou do gorro. Alcançam taxistas que conversam no meio da rua como se estivessem no verão carioca, e ela parece estar reclamando em vão. “I Follow Rivers” toca na rádio com uma melodia bem mais lenta da que conheceu um ano antes, como se o inverno não estimulasse baladas. Chegam a uma casa de madeira quentinha, sobem dois lances de escada que range e descobre que dormirá no sótão com vista para um pequeno cemitério e uma igrejinha onde o sino balada às 2h, 2:15, 2:30, 2:45 e 3 da manhã, até onde conseguiu acompanhar. Logo na entrada vê uma pilha de livros seus. São mil. Nunca viu suas palavras tão multiplicadas. E conhece as crianças e a rotina da casa e do casal. Faz compras no mercado, repara na quantidade de selo bio e toma um cano do jornalista alemão no primeiro dia, percebendo que os alemães podem ser bastante brasileiros nesse sentido. Está apaixonada pelo novo livro bilíngue, com uma capa dúbia com um desenho em xilogravura. E tudo é tão intensamente comemorado. Pisou na terra onde Goethe também pisou e que conserva placas dizendo “Goethe esteve por aqui”. Ou “Goethe esteve por aqui nunca”, onde a palavra nunca é escrita bem pequena, como um asterisco em peça publicitária. É enganada pelo menininho alemão loiro que pede pra ela abrir uma caixa de playmobil que estava escondida no sótão para ser seu presente de Natal. E ela abre com uma das colherinhas que acompanham o brigadeiro de colher que trouxe como lembrança do Brasil para a família. Não consegue usar uma palavra de todo o inglês que estudou. Eles preferem mesmo o alemão do qual ela não sabe pronunciar uma palavra. No outro lado do oceano, seu filho canta Katy Perry na festa de final de ano da escolinha para os avós. Torce para que tenham filmado e dorme com os olhos ardendo do cansaço e da fumaça do peixe preparado, da neve e do frio e de tantos estimulos visuais que ela tenta assimilar. Aprende que Tilapia é mesmo Tilapia em alemão. Registra cada sensação boa na alma porque talvez não aconteça nunca mais, ou demore demais para acontecer de novo ou aconteça sempre com cada livro novo que pretende lançar. Chega o dia da sua leitura na universidade e ela sente que pode suar muito, mesmo com aquele frio. Já conhece bem a cidade que pertencia à parte oriental da Alemanha, conhece os arredores e até o campo de concentração perto de Weimar, envolvido numa neblina densa de terror e culpa. Agora começa a ouvir trechos da sua história naquela língua bonita e estranha. E lê também em português, para 20 pessoas do Instituto de Romanística. É como se Alberta e Beta soubessem falar um alemão contemporâneo, cheio de gírias e palavrões. Treina dedicatórias em alemão, mas os estudantes querem mesmo é tentar ler em português. Fica feliz e envergonhada por não ter investido em aulas de alemão. Tudo termina bem, em Bratwurst e cerveja. E percebe que a gratidão que sente não consegue ser traduzida em nenhum idioma que conhece. Foi longe para um primeiro livro. Voltou e deixou lá suas personagens. Para mil leitores. Vielen Dank, Goethe!

10 de out. de 2013

Uma. Outra. Realidade.


Uma tinha insônia criativa misturada à frustração de ter perdido sua feira internacional. Outra acordava com o braço dormente e não conseguiu segurar a chapinha com a qual ajeitava o cabelo antes do trabalho. Sem crédito, outra manda mensagem para uma ligar de volta urgente, isso às 5:32 da manhã.

Toca buscar a outra no hospitaleco de Itupeva, onde os sintomas de um AVC são tratados com um hemograma básico e um tchau do plantonista, que atendia enquanto comia e nem crachá usava. Chegaram ao SUS de Jundiaí onde a amiga de uma conhece a mulher do cardiologista de lá, fato corriqueiro no interior.

Já na internação veio a pergunta estranha: Acidente de trabalho? Só se ela tivesse faxinando minha casa às 4 da manhã, sorriu uma com escárnio. A enfermeira não gostou e mandou que as duas esperassem. Acamparam então nas poltronas azuis e gastas por horas intermináveis, reparando no estado da saúde pública do país.

Enquanto a outra ignorava as consequências e possíveis sequelas de um AVC, uma se amaldiçoava por esquecer o livro do famoso autor norueguês no carro. Foram logo distraídas pelo lamento de um pai negro de olhos de um azul-claríssimo, procurando seu filho entre os desconhecidos internados ontem.

A primeira meia hora foi mais difícil para uma. Vendo a angústia dos rostos que desfilavam pela sala de espera, desejou morrer antes de definhar ou enrrugar daquele jeito. Doentes com Parkinson, catarata, artrose, sobrepeso e desalento encaravam curiosos sua camiseta verde limão com proteção contra raios UV.

Depois de cada exame, diagnóstico, novo exame e novos médicos, voltavam para a sala de espera, cheia de olhinhos vidrados na TV que só mostrava reportagens de comida. Receitas de alcachofra, dicas para ser saudável e os problemas da classe média obesa comentados por quem estava em jejum desde muito cedo.

Demora? Costuma demorar bastante, devolveu com um sorriso de escárnio a atendente do início. Uma olhava fixo para as diversas bengalas dos velhinhos, encolhendo a mais firme e pontuda, lembrando a cena clássica do filme “Um dia de fúria”. Mas logo desistia da ideia e suspirava resignada, como todos ali.

A última meia hora foi mais difícil para outra. Mais complicado que perder o lugar na fila da tomografia para aqueles que entravam de maca, com a camisola ridícula e a sonda cheia de xixi, foi ouvir a notícia de que teria que dormir lá nas próximas noites, sob observação. Sim, e apenas com a camisolinha ridícula.

Uma foi embora depois de 12 horas de plantão como acompanhante, compadecida de um pedreiro com quem trocou empanadas na fila da segunda tomo. Outra dormiu agradecida por estar entre mais leitos, paciente com os roncos e gemidos, porque tinha medo de dormir num quarto de hospital sozinha.

Só uma passou a noite em claro, encarando as horas, a realidade e o mundo todo parado enquanto seu braço direito se recuperava.

20 de ago. de 2013

Novidades - Oficina de Escrita Criativa :)))

O segundo semestre começou bacana e fui convidada para dar meu primeiro curso de Mini e Micro Contos na Oficina de Escrita Criativa. A nova sede é na Pedroso de Moraes e começaram diversos cursos no período da noite, inclusive o meu. Feliz por fazer parte desse time!


www.oficinadeescritacriativa.com.br

Outro link novinho é minha primeira entrevista para o Programa Perfil da Rádio UNESP com Oscar D'Ambrósio. Aqui tem um pouco da minha trajetória, mestres, livros, cursos e um tanto de nervosismo básico. Obrigada, Oscar!

http://podcast.unesp.br/perfil-20082013-jan-bitencourt-entrevista-1840

8 de mai. de 2013

Sobre Vagalumes e Turismo para Escritores


Não, não é uma viagem para visitar onde morou Jane Austen ou Hemingway.
Vou tentar explicar o que fui fazer no Salão do Livro de Genebra na tentativa de compreender o que fui realmente fazer lá. Ou não, porque posso muito bem ter corrido atrás do vagalume mais brilhante que passou na minha frente, como é da minha natureza.
Mandei uns contos para um grupo literário virtual chamado Varal do Brasil, que se dispõe a divulgar “literatura sem frescura”. Não gosto de rimas, não sei fazer poesia e acho literatura uma palavra quase sagrada, mas me pareceu bacana o tom despretensioso que reunia, aparentemente sem filtro algum, pessoas que gostavam muito de escrever.
O dia era 15 de março, prazo final para a inscrição no Salão do Livro de Genebra. Fui convidada a mandar meu livro, mas o vagalume que me acenou foi a viagem à Suíça. Por uma taxa de 500 francos (cerca de R$ 1250,00) eu poderia participar de um stand que divulga escritores brasileiros por lá, sem precisar traduzir meu livro para o francês. A ideia era vender aos portugueses e brasileiros que trabalham na cidade e têm saudade de ler algo em sua língua.
Foi lá que percebi que os quase 30 autores que toparam ir usaram do jeitinho que nos é natural para chegar ao país. Brasileiros do RJ, POA, BA, PB, brasileiros suecos, franceses e até suíços por casamento. Eu fui de milhas (até Frankfurt), duas autoras usaram a verba do governo do TO (através de editais), outra ganhou o apoio do ES em troca de oficinas literárias que dará em sua cidade e por aí vai. Os títulos também variavam muito. Poesia, crônicas, cordel, livros sobre a luta da mulher, sobre cultura indígena, infantis, espíritas, policiais e até romances e microcontos.
Tem Martha Medeiros? Tem Barba Ensopada de Sangue? Tem Paulo Coelho? Não tem, embora o “mago” tenha passado correndo para “prestigiar” seus compatriotas (não, isso não estava no contrato, mas ele mora ali pertinho). Todos lá são anônimos, embora dois dos livros vão virar filmes (pela Globo Filmes), alguns já foram encenados ou musicados, outros infantis publicados em 6 línguas e uma parte dos autores sairia de lá direto para a Feira da Baviera ou de Turim no mesmo esquema de stands, também organizados por brasileiras.
A pergunta dos editores: e vende? Tem gente que diz que vendeu tudo. Eu confesso que dei a maioria dos livros que levei, pela empolgação (sou uma publicitária que sabe divulgar de tudo, menos a si mesma) e pela chance de fazer uma dedicatória bacana pra alguém que talvez eu não encontre nunca mais.
De quebra, deixamos kits com a imprensa (traduzidos em várias línguas) e rezamos todos para que algum editor francês piedoso não jogue tudo no lixo, como é comum fazermos quando voltamos cheios de papel desse tipo de evento.
Volto satisfeita. Valeu o cansaço, a experiência, as trocas, mas talvez agora valha mais eu sentar a bunda na cadeira e escrever mais uns dois livros até fisgar uma agente literária que faça esse trabalho (e venda!) por mim. No fim, fica a polêmica foto com o Paulo Coelho, que postei mesmo sob as vaias da maioria dos meus amigos intelectuais. Afinal, vagalume que para na minha frente eu costumo apanhar.